Cora Coralina

Senhor,

fazei com que eu aceite minha pobreza tal como sempre foi.
Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter e se perdeu por caminhos errados e nunca mais voltou.
Dai, Senhor, que minha humildade seja como a chuva desejada caindo mansa,
longa noite escura numa terra sedenta e num telhado velho.
Que eu possa agradecer a Vós,minha cama estreita, minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha de baixo do meu fogão de taipa,e acender,
eu mesma,o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

Cora Coralina

Nao sei

Tanta coisa que ja vivi, tantos lugares, tantas pessoas...E mesmo assim, continuo sendo a mesma de sempre.
Claro que mudei, sobre tudo a maneira de pensar,algumas opinioes e a visao do mundo.
Mas nao é disso que estou falando.
O quero dizer, é que.........
Continuo com a mesma tal "menina que mora dentro de mim e se recusa a morrer".
Ela me pertuba terrivelmente.
Sao sentimentos contraditorios e por isso vivo em constante conflito com ela, ou melhor, comigo mesma.
Mas é incrivel essa historia de que existe uma menina dentro de mim. A menina é o que eu fui. E de certo modo, continuo sendo, ja que ela se recusa a morrer.
Queria assumir de vez o meu lado adulto.
Mas nao consigo, porque ela esta ali, sempre , sempre, sempre.
As vezes tenho pena dela,vontade de consola-la,de fazer tudo o que ela quer.Tudo o que ela sonhou pra mim, quando ela, ou melhor, eu, ficasse adulta.
Mas nao posso, porque vivo num mundo completamente diferente de mim mesma.
Talvez eu tenha nascido na época errada,sei la...
Dizem que sou forte. Mas quando a menina chora, vejo que nao sou forte nada.
Vou é vivendo, nadando , andando, voando,mais voando do que andando. Como disse Casuza," ja que nao posso levar a vida, deixo que ela me leve".
Adimiro, essas mulheres, verdadeiramente corajosas. Que rodam a bahiana, que usam salto alto, que falam com a voz firme, que nao precisam de ninguem pra tomar conta delas.Mulheres bem resolvidas! Isso, é ser corajosa.
Eu, sou apenas o fracasso, de uma menina que sonhou de mais.

Como posso me identificar tanto com uma poesia?

As Quadras

Dele

Digo pra mim quando ouço

O teu lindo riso franco,

"São seus lábios espalhando,

As folhas de um lírio branco..."

Perguntei às violetas

Se não tinham coração,

Se o tinham, porque escondidas

Na folhagem sempre estão?!

Responderam-me a chorar,

Com voz de quem muito amou:

Sabeis que dor os desfez,

Ou que traição os gelou?

Meu coração, inundado

Pela luz do teu olhar,

Dorme quieto como um lírio,

Banhado pelo luar.

Quando o ouvido vier

Teu amor amortalhar,

Quero a minha triste vida,

Na mesma cova, enterrar.

Eu sei que me tens amor,

Bem o leio no teu olhar,

O amor quando é sentido

Não se pode disfarçar.

Os olhos são indiscretos;

Revelam tudo que sentem,

Podem mentir os teus lábios,

Os olhos, esses, não mentem.

Bendita seja a desgraça,

Bendita a fatalidade,

Bendito sejam teus olhos

Onde anda a minha saudade.

Não há amor neste mundo

Como o que eu sinto por ti,

Que me ofertou a desgraça

No momento em que te vi.

O teu grande amor por mim,

Durou, no teu coração,

O espaço duma manhã,

Como a rosa da canção.

Quando falas, dizem todos:

Tem uma voz que é um encanto

Só falando, faz perder

Todo juízo a um santo.

Enquanto eu longe de ti

Ando, perdida de zelos,

Afogam-se outros olhares

Nas ondas dos teus cabelos.

Dizem-me que te não queira

Que tens, nos olhos, traição.

Ai, ensinem-me a maneira

De dar leis ao coração!

Tanto ódio e tanto amor

Na minha alma contenho;

Mas o ódio inda é maior

Que o doido amor que te tenho.

Odeio teu doce sorriso,

Odeio teu lindo olhar,

E ainda mais a minh'alma

Por tanto e tanto te amar!

Quando o teu olhar infindo

Poisa no meu, quase a medo,

Temo que alguém advinhe

O nosso casto segredo.

Logo minh'alma descansa;

Por saber que nunca alguém

Pode imagianar o fogo

Que o teu frio olhar contém.

Quem na vida tem amores

Não pode viver contente,

É sempre triste o olhar

Daquele que muito sente.

Adivinhar o mistério

Da tua alma

(Florbela Espanca)